Programa do Festival

domingo, 29 de maio de 2011

DE ARIANA PARA DIONÍSIO


ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ.


DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

Hilda Hilst



I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.

Voz e vento apenas

Das coisas do lá fora



E sozinha supor

Que se estivesses dentro



Essa voz importante e esse vento

Das ramagens de fora



Eu jamais ouviria. Atento

Meu ouvido escutaria

O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.

Porque é melhor sonhar tua rudeza

E sorver reconquista a cada noite

Pensando: amanhã sim, virá.

E o tempo de amanhã será riqueza:

A cada noite, eu Ariana, preparando

Aroma e corpo. E o verso a cada noite

Se fazendo de tua sábia ausência.



II

Porque tu sabes que é de poesia

Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,

Que a teu lado te amando,

Antes de ser mulher sou inteira poeta.

E que o teu corpo existe porque o meu

Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,

É que move o grande corpo teu



Ainda que tu me vejas extrema e suplicante

Quando amanhece e me dizes adeus.



III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo

E protetora de todas minhas ardências.

E transmuta em palavra

Paixão e veemência



E minha boca se faz fonte de prata

Ainda que eu grite à Casa que só existo

Para sorver a água da tua boca.



A minha Casa, Dionísio, te lamenta

E manda que eu te pergunte assim de frente:

À uma mulher que canta ensolarada

E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?



IV

Porque te amo

Deverias ao menos te deter

Um instante



Como as pessoas fazem

Quando vêem a petúnia

Ou a chuva de granizo.



Porque te amo

Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana



Não essa que te louva



A cada verso

Mas outra



Reverso de sua própria placidez

Escudo e crueldade a cada gesto.



Porque te amo, Dionísio,

é que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente



E porisso talvez

Te aborreças de mim.

(...)

[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]

[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]





Poemas de amor


O SEU SANTO NOME



Não facilite com a palavra amor.

Não a jogue no espaço, bolha de sabão.

Não se inebrie com o seu engalanado som.

Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).

Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão

de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra

que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.

Não a pronuncie.

Carlos Drummond de Andrade



"Amor, então

também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma

numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima."

Paulo Leminski



O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade



Memória


Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas findas,

muito mais que lindas,

essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade




Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?


CAMOES



(...)

O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,

Porque já não posso andar só.

Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.

E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.

Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


Fernando Pessoa


O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade


É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.

Guimarães Rosa


Nunca diga te amo se não te interessa.

Nunca fale sobre sentimentos se estes não existem.

Nunca toque numa vida se não pretende romper um coração.

Nunca olhe nos olhos de alguém se não quiser vê-lo se derramar em lágrimas por causa de ti.

A coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você quando você não pretende fazer o mesmo.

Mário Quintana



Como dizia o poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu

Pode ser mais, mas sabe menos do que eu

Porque a vida só se dá pra quem se deu

Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu

Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não

Não há mal pior do que a descrença

Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair

Pra que somar se a gente pode dividir

Eu francamente já não quero nem saber

De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão

Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

Vinícius de Moraes



Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.


De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes


Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector


Porque


Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen



Quero

Nos teus quartos forrados de luar

Onde nenhum dos meus gestos faz barulho

Voltar.

E sentar-me um instante

Na beira da janela contra os astros

E olhando para dentro contemplar-te,

Tu dormindo antes de jamais teres acordado,

Tu como um rio adormecido e doce

Seguindo a voz do vento e a voz do mar

Subindo as escadas que sobem pelo ar.

Sophia de Mello Breyner Andresen



Se tanto me dói que as coisas passem

É porque cada instante em mim foi vivo

Na busca de um bem definitivo

Em que as coisas de Amor se eternizassem


Sophia de Mello Breyner Andresen



AUSÊNCIA


Num deserto sem água

Numa noite sem lua

Num país sem nome

Ou numa terra nua


Por maior que seja o desespero

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.



Sophia de Mello Breyner Andresen







Poemas de amor



Nem sabe porque ama, nem o que é amar


Amar é a eterna inocência,

E a única inocência, não pensar...

Fernando Pessoa

Amar é ter um pássaro pousado no dedo.

Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,

a qualquer momento, ele pode voar”

Rubem Alves


Ao Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,

não de cultivo alheio ou de presença.

Nada exige nem pede. Nada espera,

mas do destino vão nega a sentença.


O amor antigo tem raízes fundas,

feitas de sofrimento e de beleza.

Por aquelas mergulha no infinito,

e por estas suplanta a natureza.


Se em toda parte o tempo desmorona

aquilo que foi grande e deslumbrante,

a antigo amor, porém, nunca fenece

e a cada dia surge mais amante.


Mais ardente, mas pobre de esperança.

Mais triste? Não. Ele venceu a dor,

e resplandece no seu canto obscuro,

tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade



O amor sonha com a pureza

sexo precisa do pecado

o amor é sonho dos solteiros

sexo é sonho dos casados

Arnaldo Jabor



Se sou amado,

quanto mais amado

mais correspondo ao amor.

Se sou esquecido,

devo esquecer também,

Pois amor é feito espelho:

-tem que ter reflexo.

Pablo Neruda



Amor é bicho instruído

Olha: o amor pulou o muro

o amor subiu na árvore

em tempo de se estrepar.

Pronto, o amor se estrepou.

Daqui estou vendo o sangue

que escorre do corpo andrógino.

Essa ferida, meu bem

às vezes não sara nunca

às vezes sara amanhã.

Carlos Drummond de Andrade



SONETO DO AMOR MAIOR

Maior amor nem mais estranho existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

E quando a sente alegre, fica triste

E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste

O amado coração, e que se agrada

Mais da eterna aventura em que persiste

Que de uma vida mal aventurada.


Louco amor meu, que quando toca, fere

E quando fere vibra, mas prefere

Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante

Desassombrado, doido, delirante

Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Vinícius de Moraes



Toada do Amor

E o amor sempre nessa toada!

briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,

a gente vive, depois esquece.

Só o amor volta para brigar,

para perdoar,

amor cachorro bandido trem.


Mas, se não fosse ele, também

que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,

no teu pito está o infinito.

Carlos Drummond de Andrade



BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mário Quintana



De Longe Te Hei-de Amar


De longe te hei-de amar

- da tranquila distância

em que o amor é saudade

e o desejo, constância.

Do divino lugar

onde o bem da existência

é ser eternidade

e parecer ausência.

Quem precisa explicar

o momento e a fragrância

da Rosa, que persuade

sem nenhuma arrogância?


E, no fundo do mar,

a Estrela, sem violência,

cumpre a sua verdade,

alheia à transparência.


Cecília Meireles



Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem por que ama, nem o que é amar...

Alberto Caeiro





O verbo no infinito

Ser criado, gerar-se, transformar

O amor em carne e a carne em amor; nascer

Respirar, e chorar, e adormecer

E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar

Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir

E começar a amar e então sorrir

E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver

E perder, e sofrer, e ter horror

De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor

E viver esse amor até morrer

E ir conjugar o verbo no infinito...

Vinicius de Moraes



Amo-te tanto, meu amor...não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Nunca, sempre diversa realidade.


Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de amar assim muito amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes



Busque Amor novas artes, novo engenho,

para matar me, e novas esquivanças;

que não pode tirar me as esperanças,

que mal me tirará o que eu não tenho.


Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

Que não temo contrastes nem mudanças,

andando em bravo mar, perdido o lenho.


Mas, conquanto não pode haver desgosto

onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê.


Que dias há que n'alma me tem posto

um não sei quê, que nasce não sei onde,

vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luis de Camões



Mas há a vida


Mas há a vida

que é para ser

intensamente vivida,

há o amor.

Que tem que ser vivido

até a última gota.

Sem nenhum medo.

Não mata.

Clarice Lispector

Poemas de amor


As Sem razões do Amor



Eu te amo porque te amo

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga, nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,

e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade



Bilhete


Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana (1906 - 1994)



Soneto do Amor Total


Amo-te tanto meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.


Amo-te enfim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes (1913-1980)



Corridinho



O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.

Mas água o amor não é.


Adélia Prado





CONSAGRAÇÃO

Eis o meu corpo: —

Centelha...

Eis o meu sopro: —

Fagulha...

Este, meu verbo: —

Bebei-o...

Frumento

O meu amor

Se fez

Pra todos: —

Comei-o...

Guardai-me

Fidelíssima

Memória...

E ide

Em paz

Para exercer

O amor...


Antônio Lázaro de Almeida Prado




"Eros e Psique"

Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada


Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.


A Princesa adormecida,

Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado,

Ele dela é ignorado,

Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino -

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora,


E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.




O SEMPRE AMOR


Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é coisa que mais quero.

Por causa dele falo palavras como lanças.

Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é coisa que mais quero.

Por causa dele podem entalhar me,

sou de pedra sabão.

Alegre ou triste,

amor é a coisa que mais quero.

Adelia Prado



Habitas meu coração

Dora Ferreira da Silva

Habitas meu coração: barbas de rei assírio

olhar de extensões alheias a tempo e medidas.

Tua voz tem asas de falcão e pousa

nas torres mais altas do meu ser onde jamais

me aventurei. É minha a tua solidão.

Sirvo-me em silêncio e às vezes como uma

criança me apertas em teu peito: acaricio

então tua face estranho rei.

Outras vezes ouço passos ecoando no

enlace das colunas em seteiras escadas. Se

grito teu nome - és mil ressonâncias e seu eco em mim.



AMOR FEINHO

Eu quero amor feinho.

Amor feinho não olha um pro outro.

Uma vez encontrado, é igual fé,

não teologa mais.

Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo

e filhos tem os quantos haja.

Tudo que não fala, faz.

Planta beijo de três cores ao redor da casa

e saudade roxa e branca,

da comum e da dobrada.

Amor feinho é bom porque não fica velho.

Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:

eu sou homem você é mulher.

Amor feinho não tem ilusão,

o que ele tem é esperança:

eu quero amor feinho.

Adélia Prado



Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como "este foi difícil"

"prateou no ar dando rabanadas"

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Adélia Prado



Pranto Para Comover Jonathan

Os diamantes são indestrutíveis?

Mais é meu amor.

O mar é imenso?

Meu amor é maior,

mais belo sem ornamentos

do que um campo de flores.

Mais triste do que a morte,

mais desesperançado

do que a onda batendo no rochedo,

mais tenaz que o rochedo.

Ama e nem sabe mais o que ama.

Adélia Prado


Neurolingüística
Quando ele me disse

ô linda,

pareces uma rainha,

fui ao cúmice do ápice

mas segurei meu desmaio.

Aos sessenta anos de idade,

vinte de casta viuvez,

quero estar bem acordada,

caso ele fale outra vez.

in Oráculos de Maio, Editora Siciliano


Adélia Prado



Amor e seu tempo

Carlos Drummond de Andrade

Amor é privilégio de maduros

estendidos na mais estreita cama,

que se torna a mais larga e mais relvosa,

roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,

o prêmio subterrâneo e coruscante,

leitura de relâmpago cifrado,

que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço terrestre,

salvo o minuto de ouro no relógio

minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,

depois de se arquivar toda a ciência

herdada, ouvida. Amor começa tarde.



Timidez

Cecilia Meireles
Basta-me um pequeno gesto,

feito de longe e de leve,

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída

das montanhas dos instantes

desmancha todos os mares

e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,

entre os ventos taciturnos,

apago meus pensamentos,

ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,

os mundos vão navegando

nos ares certos do tempo,

até não se sabe quando...

e um dia me acabarei.



Amor

Quando duas pessoas fazem amor

Não estão apenas fazendo amor

Estão dando corda ao relógio do mundo

Mário Quintana



...

Poemas de amor



Inscrição na Areia
O meu amor não tem

importância nenhuma.

Não tem o peso nem

de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?

Para quem se perfuma?
O meu amor não tem

importância nenhuma.

Cecília Meireles



O sempre amor


Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é a coisa que mais quero.

Por causa dele falo palavras como lanças.

Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é a coisa que mais quero.

Por causa dele podem entalhar-me,

sou de pedra-sabão.

Alegre ou triste,

amor é a coisa que mais quero.

Adélia Prado



De longe te hei de amar

De longe te hei de amar

- da tranqüila distância

- em que o amor é saudade

- e o desejo, constância.
Do divino lugar

onde o bem da existência

é ser eternidade

e parecer ausência.

Quem precisa explicar

o momento e a fragrância

da Rosa, que persuade

sem nemhuma arrogância?
E, no fundo do mar,

a Estrela, sem violência,

compre a sua verdade,

alheia à transparência.

Cecília Meireles



ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

"Coitado, até essa hora no serviço pesado."

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.


Adélia Prado


QUASE NADA

O amor

é uma ave a tremer

nas mãos duma criança.

Serve-se de palavras

por ignorar

que as manhãs mais limpas

não têm voz.

Eugénio de Andrade



O AMOR É UMA COMPANHIA


O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,

Porque já não posso andar só.

Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.

E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.


Todo eu sou qualquer força que me abandona.

Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa





Medo de amar

O céu está parado, não conta nenhum segredo

A estrada está parada, não leva a nenhum lugar

A areia do tempo escorre de entre meus dedos

Ai que medo de amar!


O sol põe em relevo todas as coisas que não pensam

Entre elas e eu, que imenso abismo secular...

As pessoas passam, não ouvem os gritos do meu silêncio

Ai que medo de amar!

Uma mulher me olha, em seu olhar há tanto enlevo

Tanta promessa de amor, tanto carinho para dar

Eu me ponho a soluçar por dentro, meu rosto está seco

Ai que medo de amar!

Dão-me uma rosa, aspiro fundo em seu recesso

E parto a cantar canções, sou um patético jogral

Mas viver me dói tanto! e eu hesito, estremeço...

Ai que medo de amar!


E assim me encontro: entro em crepúsculo, entardeço

Sou como a última sombra se estendendo sobre o mar

Ah, amor, meu tormento!... como por ti padeço...

Ai que medo de amar!


Vinicius de Moraes (1913-1980)



URGENTEMENTE

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.
É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.


Eugénio de Andrade


Corridinho

O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.


Adélia Prado


Mas há a vida

Mas há a vida

que é para ser

intensamente vivida,

há o amor.

Que tem que ser vivido

até a última gota.

Sem nenhum medo.

Não mata.


Clarice Lispector




Poemas de amor



O diagnóstico e a terapêutica - Eduardo Galeano




O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que neste caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto do governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo.



Os diamantes são indestrutíveis?

Mais é meu amor.

O mar é imenso?

Meu amor é maior,

mais belo sem ornamentos

do que um campo de flores.

Mais triste do que a morte,

mais desesperançado

do que a onda batendo no rochedo,

mais tenaz que o rochedo.

Ama e nem sabe mais o que ama.

Adélia Prado



Que este amor não me cegue nem me siga

Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga.

E de mim mesma nunca se aperceba.

Que me exclua de estar sendo perseguida

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo.

Que o olhar não se perca nas tulipas

Pois formas tão perfeitas de beleza

Vêm do fulgor das trevas.

E o meu Senhor habita o rutilante escuro

De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente

E farta de fadigas. E de fragilidades tantas

Eu me faça pequena. E diminuta e tenra

Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.



O Verbo No Infinito



Ser criado, gerar-se, transformar

O amor em carne e a carne em amor; nascer

Respirar, e chorar, e adormecer

E se nutrir para poder chorar


Para poder nutrir-se; e despertar

Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir

E começar a amar e então sorrir

E então sorrir para poder chorar.


E crescer, e saber, e ser, e haver

E perder, e sofrer, e ter horror

De ser e amar, e se sentir maldito


E esquecer de tudo ao vir um novo amor

E viver esse amor até morrer

E ir conjugar o verbo no infinito...


Vinícius de Moraes


ARTE DE AMAR
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus - ou fora do mundo.


As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.


Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Manuel Bandeira



Ladainha
Era uma vez uma mulher

Que via um futuro grandioso

Para cada homem que a tocava

Um dia

Ela se tocou...
Alice Ruiz




não discuto

com o destino

o que pintar

eu assino




quando eu vi você

tive uma idéia brilhante

foi como se eu olhasse

de dentro de um diamante

e meu olho ganhasse

mil faces num só instante

basta um instante

e você tem amor bastante.


Amor, então,

também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma

numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima.

Paulo Leminski





Poemas de amor



Sonata de amor


Que sabe a lua do sabor das nuvens?

E o sol, que sabe do frescor da relva?

Você, que sabe da ternura incrível

Desse meu jeito de vestir meus sonhos?

Meu sonho sabe a flores peregrinas,

A mel silvestre, a doce odor de auroras,

A tudo quanto forma esta apetência

De saber-me ligado à luz do instante.


Nasci para saber o bem da vida,

O humilde florescer das alvoradas,

O perfume discreto da água pura.

Nasci para ousar fazer-me amado

E amar demais, com este modo exato

De, vivendo de amor, morrer amando…


Antonio Lázaro de Almeida Prado



AGORA E SEMPRE


Eu pretendo amar-te

Com amor tão fundo,

Como se, por arte,

Meu destino fosse

Consagrar-te o mundo.


Eu pretendo amar-te

Com amor tão terno

Como se, por sorte,

Sem temer a morte,

Tudo fosse eterno.

Eu desejo amar-te

Com amor tão forte

Como se, por arte,

Ontem, hoje e sempre

Fosse recriar-te.


Eu desejo amar-te

Ontem, hoje, agora,

Como se, por sorte,

Nossa vida fosse

Permanente aurora.


Eu pretendo amar-te

Com amor tão fino

Como se, por arte

Fosse meu destino

Nascer para amar-te.


Antonio Lázaro de Almeida Prado




Razão


Pedro D'Arcadia Neto

Eu amo as pessoas

Apenas porque elas findam

Não pelo inferno, nem pelo paraíso:

Eu amo as pessoas

Apenas porque elas findam.


Aurora


Nasce em mim

essa aurora para te amar

longamente

- uma aurora sempre jovem

que o dia não vencerá,

nem a noite,

Orvalho, sol e noite,

amalgamados, sempre aurora,

na glória tão grande de te amar!


Pedro D'Arcádia Netto



Estacionei meu coração


na contramão.

Me diga amigo, meu irmão

-Quer namorar comigo?

Sei cantar blues

fazer bolos, luz

e balas de alcaçuz.

Sou fã de dias de chuva.

Acho que deixei meu coração

No porta-luvas


Greta Benitez



É urgente o amor.


É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.


Eugenio de Andrade



Entre os teus lábios

é que a loucura acode,

desce à garganta,

invade a água.

No teu peito

é que o pólen do fogo

se junta à nascente,

alastra na sombra.

Nos teus flancos

é que a fonte começa

a ser rio de abelhas,

rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos

é que a areia queima,

o sol é secreto,

cego o silêncio.

Deita-te comigo.

Ilumina meus vidros.

Entre lábios e lábios

toda a música é minha.


Eugenio de Andrade



A boca,

onde o fogo

de um verão

muito antigo

cintila,

a boca espera
(que pode uma boca

esperar

senão outra boca?)

espera o ardor

do vento

para ser ave,

e cantar.


Eugenio de Andrade








Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis