Programa do Festival

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Com Fúria e Raiva

Com Fúria e Raiva


Com fúria e raiva acuso o demagogo

E o seu capitalismo das palavras



Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada



De longe muito longe desde o início

O homem soube de si pela palavra

E nomeou a pedra a flor a água

E tudo emergiu porque ele disse



Com fúria e raiva acuso o demagogo

Que se promove à sombra da palavra

E da palavra faz poder e jogo

E transforma as palavras em moeda

Como se fez com o trigo e com a terra



Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

As palavras - Saramago


As palavras e o silêncio.


As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas.

As palavras estão ausentes.

Algumas palavras sugam-nos, não nos largam...

As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do disse ou tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências.

Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias.

E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do verbo. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido". Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não ouça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em Seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato.

Há também o silêncio.

O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio.

Mas só o trigo dá pão.

José Saramago
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Sobre a Palavra

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Sobre a Palavra


Com a palavra dirige-se o homem à Divindade ou aos deuses. Pede-se, suplica-se, agradece-se!
Com a palavra abençoa-se, amaldiçoa-se, satiriza-se, pragueja-se!
Com a palavra dominam-se as forças ocultas ou assenhoreia-se delas!
Com a palavra curam-se doenças desfazem-se os malefícios e as pragas!
Com a palavra sagram-se as coisas e evitam-se as profanas!
Com a palavra respeitam-se, veneram-se, divinizam-se homens, cidades e coisas!
Com a palavra predizem-se os fatos vindouros!
Com a palavra perdem-se ou deparam-se as coisas!
Com a palavra tem-se o mundo nas mãos.



 A magia da Palavra - R.F. Mansur Guérios

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis