Programa do Festival

domingo, 15 de agosto de 2010

Sobre a Escrita...


Sobre a Escrita...


Clarice Lispector

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.


Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.

Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.

Simplesmente as palavras do homem.

Entre o que vejo e o que digo...

Entre o que vejo e o que digo...

                                        A Roman Jakobson
        Traduzido por Anderson Braga Horta


Entre o que vejo e o que digo,

entre o que digo e o que calo,

entre o que calo e o que sonho,

entre o que sonho e o que esqueço,

a poesia.

Desliza

entre o sim e o não:

diz

o que calo,

cala

o que digo,

sonha

o que esqueço.

Não é um dizer:

é um fazer.

É um fazer

que é um dizer.

A poesia

se diz e se ouve:

é real.

E, apenas digo

é real,

se dissipa.

Será assim mais real?

2

Idéia palpável,

palavra

impalpável:

a poesia

vai e vem

entre o que é

e o que não é.

Tece reflexos

e os destece.

A poesia

semeia olhos na página,

semeia palavras nos olhos.

Os olhos falam,

as palavras olham,

os olhares pensam.

Ouvir

os pensamentos,

ver

o que dizemos,

tocar

o corpo da idéia.

Os olhos

se fecham,

as palavras se abrem´.



Octavio Paz

OCTAVIO PAZ (1914–1998) — Mexicano. Prêmio Nobel de Literatura em 1991. Importante ensaísta e conferencista (El Laberinto de la Soledad, El Arco y la Lira, El Mono Gramático, Los Hijos del Limo, Sor Juana Inés de la Cruz o las Trampas de la Fe). Alguns livros de poesia: Piedra de Sol, Salamandra, Blanco, Vuelta, Árbol Adentro.

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis