Programa do Festival

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Palavras de Pedro D'Arcádia Netto

Aurora

Nasce em mim

essa aurora para te amar

longamente

- uma aurora sempre jovem

que o dia não vencerá,

nem a noite,

Orvalho, sol e noite,

amalgamados, sempre aurora,

na glória tão grande de te amar!



Pedro D'Arcádia Netto



Razão

Amo as pessoas

precisamente porque elas findam.

Não pelo inferno

nem pelo paraíso:

amo as pessoas

precisamente porque elas findam.



Pedro D'Arcádia Netto





"... a vida é um

sopro divino

temporariamente

esquecido na terra."


Pedro D'Arcádia Netto




História da árvore em agosto

Vê como em agosto

são tenros os brotos amarelados

e como eles tecem a árvore.

Vê como o brando leque

dos galhos deita-se no ar,

com toda a confiança.

Vê:

Com todo o conflito de seus ramos,

ela é perfeita

e linda

e eterna

contra o céu de agosto.

Vê, amigo

Vê como ela é eterna.



Pedro D'Arcádia Netto

Palavras de Mário Faustino

VIDA TODA LINGUAGEM

Vida toda linguagem,

frase perfeita sempre, talvez verso,

geralmente sem qualquer adjetivo,

coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,

há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome

aqui, ali, assegurando a perfeição

eterna do período, talvez verso,

talvez interjetivo, verso, verso.

Vida toda linguagem,

feto sugando em língua compassiva

o sangue que criança espalhará - oh metáfora ativa!

leite jorrado em fonte adolescente,

sêmen de homens maduros, verbo, verbo.

Vida toda linguagem,

bem o conhecem velhos que repetem,

contra negras janelas, cintilantes imagens

que lhes estrelam turvas trajetórias.

Vida toda linguagem --

como todos sabemos

conjugar esses verbos, nomear

esses nomes:

amar, fazer, destruir,

homem, mulher e besta, diabo e anjo

E deus talvez, e nada

Vida toda linguagem,

vida sempre perfeita,

imperfeitos somente os vocábulos mortos

com que um homem jovem, nos terraços do inverno, con-

[tra a chuva,

tenta fazê-la enterna - com se lhe faltasse

outra, imortal sintaxe

à vida que é perfeita

língua

eterna.



PRIMEIRO POEMA



Por que vos espantais se eu venho sobre as ondas?


Trago a paz e as distâncias vêm comigo

na boca tenho mundos e nos olhos palavras.

Ouvi-me.


Todas as coisas são palavras minhas:

a mais pura das nuvens

a mais pura que veio de longe e não se dissolveu

as colunas incolores além se levantando

quebradas luminosas líquidas colunas colunas

os cavalos que se empinam sobre a espuma

e o calmo silêncio povoando o mar.

Minhas palavras.

Antigas porém há pouco descobertas.

Lentas como o escurecer das nuvens refletidas

como o tremular tranqüilo da vaga adolescente.

Materiais límpidas palpáveis

frias e mornas coloridas de ondas e descendentes pássaros.

Resumidas numa única

impronunciável Palavra.

Mas eu não sou o Senhor

embora venham comigo a Música e o Poema.

Por que vos ajoelhais se eu vim por sobre as ondas

e só tenho palavras?

Ouvi a minha voz de anjo que acordou:


Sou Poeta.


CARPE DIEM



Que faço deste dia, que me adora?

Pegá-lo pela cauda, antes da hora

Vermelha de furtar-se ao meu festim?

Ou colocá-lo em música, em palavra,

Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?

Força é guardá-lo em mim, que um dia assim

Tremenda noite deixa se ela ao leito

Da noite precedente o leva, feito

Escravo dessa fêmea a quem fugira

Por mim, por minha voz e minha lira.

(Mas já se sombras vejo que se cobre

Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.

Já nele a luz da lua – a morte – mora,

De traição foi feito: vai-se embora.)



SOLILÓQUIO

_ Tudo o que importa é ser maravilhoso.



A maravilha: o gesto da inocência.

E do aceno o milagre a renascença

de deslumbrados olhos infantil espaço

e primavera _ o homem volta ao homem;

o inefável gera enfim o mal sublime

no coração deserto; e da terra doença

a rosa azul desponta e levanto-me rei.

_ Eu mesmo sou o encantador do mundo!

Seres e estrelas brotam de meus lábios...

e morro deste belo sofrimento

de ser maravilhoso!



                           _ Ah, quem pudesse

gritar à noite e ao tempo essas palavras

e partir pelo vento semeando versos

e terminando a criação da terra...





FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora. E outros poemas. São Paulo: Cia das Letras, 2009. p.200.

Palavras...

POEMA ÀS PALAVRAS


. Há sempre uma palavra dentro da palavra

um gesto por exemplo

ou o zumbir dum insecto a

levantar o vento morto


Traz uma mensagem fugidia uma essência

que luz ao ritmo do tumulto da claridade

só perceptível pelos reflexos da própria luz

transparente interior das coisas


A sua transcendência identifica o fogo

o perfil exterior e seus artifícios intemporais


E apenas se lê em sinais indicativos

de virtuosos alquimistas procurando o oiro

na flecha no círculo dum arco íris caindo

magnânimo sobre o cinzento da terra.

Vieira Calado

http://vieiracalado-poesia.blogspot.com/2007/04/h-sempre-uma-palavra-dentro-da-palavra.html


A PALAVRA


a palavra em ângulo agudo

risco no ar

adaga

a descer sobre o homem

ferida à flor dos olhos.

voz letra

música

a palavra inevitável

II

a palavra a dizer(-se)

de algum lugar

ave a subir nas minhas mãos

a voar delas.

Silvia Chueire

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis