Moacir Amâncio
[Ata]
E, como se tivesses diante de ti uma palheta cósmica,
organizarás o teu mundo de espectros e de filtros,
biblicamente instaurando o mito da criação no caos cotidiano.
Assim, o domingo já não será um impreciso dia
mas o branco em que inicias a semana.
O branco, senhora, a solicitude em pessoa.
A segunda-feira vacilará entre o amarelo e tons pastéis
dessa ordem inaugural.
Sem bruscas rotações, portanto, da dúvida ao egoísmo.
A terça-feira se tingirá de vermelho ou de laranja
conforme o grau de umidade dos teus labirintos.
A quarta mergulhará em marinho e preto
de onde emergirás um tanto confusa. Desgraça pouca é bobagem.
Na quinta viajarás repentina do rosa ao verde-
o desequilíbrio natural te faz bem e rir é sempre muito bom.
A sexta-feira, esta guardará o azul de sempre,
obrigando-te a dizer azul quando ias dizer surpresa.
Sábado, cansada de tantas cores,
descansarás na soma delas todas e te vestirás de sol.
* * *
MITOLÓGICO
ao tentar dizer
desdigo o não dito
na ausência de pernas
cavalgo
existo centauro
nem raro nem mito.
***
como o raio
abre rios no céu
lavras um campo avaro
o papel com sua escrita
colheita de relâmpagos.
***
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Palavras de Moacir Amâncio
Postado por
FESTIVAL DA PALAVRA
às
20:35
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Das palavras aéreas - Cecília Meireles
Das palavras aéreas - Cecília Meireles
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e se transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
e dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação, nem de hora...
- e estais no bico das penas,
- e estais na tinta que as molha,
- e estais nas mãos dos juízes,
- e sois o ferro que se arrocha,
- e sois o barco para o exílio,
- e sois Moçambique e Angola!
Ai, palavras, ai palavras,
leis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois agora?
-Acusações, sentinelas,
bacamarte, algemas, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- o duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
- sois madeira que se corta,
- sois vinte degraus de escada,
- sois um pedaço de corda...
- Sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeira, tropa...
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
- sois um homem que se enforca!
[Do Romanceiro da Inconfidência; Flor de Poemas, ed. Nova Fronteira]
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e se transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
e dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação, nem de hora...
- e estais no bico das penas,
- e estais na tinta que as molha,
- e estais nas mãos dos juízes,
- e sois o ferro que se arrocha,
- e sois o barco para o exílio,
- e sois Moçambique e Angola!
Ai, palavras, ai palavras,
leis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois agora?
-Acusações, sentinelas,
bacamarte, algemas, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- o duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
- sois madeira que se corta,
- sois vinte degraus de escada,
- sois um pedaço de corda...
- Sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeira, tropa...
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
- sois um homem que se enforca!
[Do Romanceiro da Inconfidência; Flor de Poemas, ed. Nova Fronteira]
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FESTIVAL DA PALAVRA
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