Programa do Festival

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Palavras de Emilio Moura

Libertação


Sou um poeta quase místico:

A vida é bela quando é um êxtase.

Ah! não ter um pensamento, um só pensamento no cérebro,

não vigiar a vida, a vida inquieta, a vida múltipla da sensibilidade,

mas vivê-la, de olhos cerrados, num silêncio cheio de ritmos;

não ouvir as palavras frias que mudam o destino,

ou que o fazem semelhante a um autômato;

e saber a toda hora,

saber sempre

que a vida é bela quando é um êxtase.




Canção


Viver não dói. O que dói

é a vida que se não vive.

Tanto mais bela sonhada,

quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói

é o tempo, essa força onírica

em que se criam os mitos

que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói

é essa estranha lucidez,

misto de fome e de sede

com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,

ferindo fundo, ferindo,

é a distância infinita

entre a vida que se pensa

e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.




 
Três caminhos
 
Percorri tantos caminhos,

tantos caminhos andei.

O primeiro era de nácar,

de rosa pura o segundo.

O terceiro era de nuvem,

no terceiro te encontrei.

O primeiro já trazia

teu nome brilhando no ar.

Não era nome de terra:

cantava coisas do mar.

Logo senti que o segundo

já era estrada de encantar.

Mas o terceiro, o terceiro

quantas voltas não foi dar!

Deixou meu corpo na terra,

meu coração no alto-mar.

Virou vento, virou bruma,

perdeu-se, rápido, no ar.



A fábrica do poeta



Fabrico uma esperança

como quem apaga

algo sujo num muro,

e ali, rápido, escreve:

Futuro.


Fabrico uma pureza

tão menina,

tão cristal e tão fonte

que, de repente,

É meu todo o horizonte.


Fabrico uma alegria

que é de ver as coisas

como se só agora

é que nascesse,

A aurora.


Fabrico uma certeza

exata

para cada instante.

A vida não está atrás,

Mas adiante.


Fabrico com o que tiro

de mim mesmo e do mundo

meu dia.

E ao que, em síntese, sou

Junto o que queria.


Fabrico uma hora densa,

como quem descobre.

Ah, quem diria

Que essa hora imensa

Já é poesia?


Emílio Moura




Ode ao primeiro poeta
-Comme lê monde était jeune,
et que la mort était loin!
   Georges Chennevière


Quando os homens desceram, um dia, dos montes e se detiveram, trêmulos, diante da planície imensa,

eu te vi erguendo a tua voz forte, límpida e viva.

Eras jovem e tinhas a alegria de quem está descobrindo o mundo.

Foi a tua palavra que modelou a primeira paisagem, deu ritmo aos ventos e [imaginou a beleza ingênua dos primeiros e únicos símbolos . [que se perpetuaram.

Eras criatura e criador.

Estavas no gesto maravilhado que armava as primeiras tendas e na mão

[ indecisa que traçava o desenho mágico dos caminhos

[que se improvisavam;

na imagem da vida em que se embebeu o primeiro surto livre do espírito;

estavas em ti mesmo e fora de ti,

quando os homens desceram, um dia, dos montes e se detiveram trêmulos,

diante da planície imensa...

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis