Programa do Festival

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Temas do Festival - Adoniran Barbosa


‘Gosto de samba e não foi fácil, pra mim, ser aceito como compositor, porque ninguém queria nada com as minhas letras que falavam nóis vai, nóis fumo, nóis fizemo, nóis peguemo. Acontece que é preciso saber falar errado. Falar errado é uma arte, se não vira deboche'. 
Adoniran Barbosa



Bom Dia, Tristeza
 

Bom dia, tristeza

Que tarde, tristeza

Você veio hoje me ver

Já estava ficando

Até meio triste

De estar tanto tempo

Longe de você

Se chegue, tristeza

Se sente comigo

Aqui, nesta mesa de bar

Beba do meu copo

Me dê o seu ombro

Que é para eu chorar

Chorar de tristeza

Tristeza de amar.
 
 Adoniran Barbosa

 letra Vinicius de Moraes



Samba Italiano Adoniran Barbosa

Piove, piove (Chove, chove)

Fa tempo che piove qua Gigi
(faz tempo que chove aqui, Gigi)

E Io, sempre io
(e eu, sempre eu)

Sotto la tua finestra
(debaixo da sua janela)

E vuoi senza me sentir
(e você sem me escutar)

Ridere, ridere, ridere
(rindo)

Di questo infelice qui
 (desse infeliz aqui)

Ti ricorda Gioconda
 ( se recorda Gioconda)

Di quela sera in Guaruja
 (daquela tarde no Guaruja)

Quando il mare ti portava via
(quando o mar ti levava embora)

E tu me chiamaste
(e você me chamou)

Aiuto Marcelo
 (ajuda Marcelo)

La tua Gioconda ha paura de questa onda.
 (a tua Gioconda tem medo dessa onda)
Adoniran Barbosa



Saudosa Maloca
       Adoniran Barbosa

Se o senhor não tá lembrado

Dá licença de contar

Que ali onde agora está

Este "adifício arto"

Era uma casa "véia", um palacete assobradado

Foi aqui seu moço

Que eu, Mato Grosso e o Joca

Construimos nossa "maloca"

Mas um dia

"nóis" nem pode se "alembrá"

Veio os "home" com as ferramenta

E o dono "mandô derrubá"

Peguemos todas nossas coisas

E fumos pro meio da rua

"Apreciá" a demolição

Que tristeza que "nóis" sentia

Cada táuba que caía

Doía no coração

Matogrosso quis gritar

Mas em cima eu falei

Os "home tá cá" razão

"nóis arranja" outro lugar

Só "se conformemo"

Quando o Joca falou

Deus dá o frio conforme o "cobertô"

E hoje "nós pega" a paia

Nas grama do jardim

E pra esquecer "nóis cantemos" assim:

Saudosa maloca, maloca querida

Dim dim "donde nóis passemo" os dias feliz de nossa vida

Saudosa maloca, maloca querida

Dim dim "donde nóis passemo" os dias feliz de nossa vida


http://www.youtube.com/watch?v=Gkd-d_n3yfo&feature=related

Temas do Festival - Charles Chaplin

Canto ao Homem do Povo - Charles Chaplin


Carlos Drummond de Andrade

I

Era preciso que um poeta brasileiro,

não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,

girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver

como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

era preciso que esse pequeno cantor teimoso,

de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior

onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos

e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,

preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,

viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse

para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam

e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece

com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus

de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem

nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,

e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor

como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.


Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,

e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,

e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,

só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.


Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,

eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,

nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti

como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.


Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,

que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,

são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,

visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.

Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,

os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos,

os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,

falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,

os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,

cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.

II

A noite banha tua roupa.

Mal a disfarças no colete mosqueado,

no gelado peitilho de baile,

de um impossível baile sem orquídeas.

És condenado ao negro. Tuas calças

confundem-se com a treva. Teus sapatos

inchados, no escuro do beco,

são cogumelos noturnos. A quase cartola,

sol negro, cobre tudo isto, sem raios.

Assim, noturno cidadão de uma república

enlutada, surges a nossos olhos

pessimistas, que te inspecionam e meditam:

Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado,

o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde

a um mundo muito velho.

E a lua pousa

em teu rosto. Branco, de morte caiado,

que sepulcros evoca mas que hastes

submarinas e álgidas e espelhos

e lírios que o tirano decepou, e faces

amortalhadas em farinha. O bigode

negro cresce em ti como um aviso

e logo se interrompe. É negro, curto,

espesso. O rosto branco, de lunar matéria,

face cortada em lençol, risco na parede,

caderno de infância, apenas imagem

entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,

sozinha, experiente, calada vem a boca

sorrir, aurora, para todos.

E já não sentimos a noite,

e a morte nos evita, e diminuímos

como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos

ao país secreto onde dormem os meninos.

Já não é o escritório e mil fichas,

nem a garagem, a universidade, o alarme,

é realmente a rua abolida, lojas repletas,

e vamos contigo arrebentar vidraças,

e vamos jogar o guarda no chão,

e na pessoa humana vamos redescobrir

aquele lugar - cuidado! - que atrai os pontapés: sentenças

de uma justiça não oficial.

III

Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome

dos que não foram chamados à ceia celeste

ou industrial. Há ossos, há pudins

de gelatina e cereja e chocolate e nuvens

nas dobras do teu casaco. Estão guardados

para uma criança ou um cão. Pois bem conheces

a importância da comida, o gosto da carne,

o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,

e sabes a arte sutil de transformar em macarrão

o humilde cordão de teus sapatos.

Mais uma vez jantaste: a vida é boa.

Cabe um cigarro: e o tiras

da lata de sardinhas.

Não há muitos jantares no mundo, já sabias,

e os mais belos frangos

são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.

Há sempre o vidro, e não se quebra,

há o aço, o amianto, a lei,

há milícias inteiras protegendo o frango,

e há uma fome que vem do Canadá, um vento,

uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha

baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida

que mal decifras

o cristal infrangível. Entre a mão e a fome,

os valos da lei, as léguas. Então te transformas

tu mesmo no grande frango assado que flutua

sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro

e chama, comida geral, que tarda.

IV

O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas.

No festim solitário teus dons se aguçam.

És espiritual e dançarino e fluido,

mas ninguém virá aqui saber como amas

com fervor de diamante e delicadeza de alva,

como, por tua mão a cabana se faz lua.

Mundo de neve e sal, de gramofones roucos

urrando longe o gozo de que não participas.

Mundo fechado, que aprisiona as amadas

e todo o desejo, na noite, de comunicação.

Teu palácio se esvai, lambe-te o sono,

ninguém te quis, todos possuem,

tudo buscaste dar, não te tomaram.

Então encaminhas no gelo e rondas o grito.

Mas não tens gula de festa, nem orgulho

nem ferida nem raiva nem malícia.

És o próprio ano-bom, que te deténs. A casa passa

correndo, os copos voam,

os corpos saltam rápido, as amadas

te procuram na noite... e não te vêem,

tu pequeno, tu simples, tu qualquer.

Ser tão sozinho em meio a tantos ombros,

andar aos mil num corpo só, franzino,

e ter braços enormes sobre as casas,

ter um pé em Guerrero e outro no Texas,

falar assim a chinês a maranhense,

a russo, a negro: ser um só, de todos,

sem palavra, sem filtro,

sem opala:

há uma cidade em ti, que não sabemos.

V

Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.

Não, não te ama. Um rico, em álcool,

é teu amigo e lúcido repele

tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos

o que há de água, de sopro e de inocência

no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos

que cultuamos, falsos: flores pardas,

anjos desleais, cofres redondos, arquejos

poéticos acadêmicos; convenções

do branco, azul e roxo; maquinismos,

telegramas em série, e fábricas e fábricas

e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.

Ficaste apenas um operário

comandado pela voz colérica do megafone.

És parafuso, gesto, esgar.

Recolho teus pedaços: ainda vibram,

lagarto mutilado.



Colo teus pedaços. Unidade

estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.

E nós, que a cada passo nos cobrimos

e nos despimos e nos mascaramos,

mal retemos em ti o mesmo homem,

aprendiz

bombeiro

caixeiro

doceiro

emigrante

forçado

maquinista

noivo

patinador

soldado

músico

peregrino

artista de circo

marquês

marinheiro

carregador de piano

apenas sempre entretanto tu mesmo,

o que não está de acordo e é meigo,

o incapaz de propriedade, o pé

errante, a estrada

fugindo, o amigo

que desejaríamos reter

na chuva, no espelho, na memória

e todavia perdemos

VI

Já não penso em ti. Penso no ofício

a que te entregas. Estranho relojoeiro

cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,

o tempo anda. És vidraceiro.

Varres a rua. Não importa

que o desejo de partir te roa; e a esquina

faça de ti outro homem; e a lógica

te afaste de seus frios privilégios.

Há o trabalho em ti, mas caprichoso,

mas benigno,

e dele surgem artes não burguesas,

produtos de ar e lágrimas, indumentos

que nos dão asa ou pétalas, e trens

e navios sem aço, onde os amigos

fazendo roda viajam pelo tempo,

livros se animam, quadros se conversam,

e tudo libertado se resolve

numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.

O ofício é o ofício

que assim te põe no meio de nós todos,

vagabundo entre dois horários; mão sabida

no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,

o pé insiste em levar-te pelo mundo,

a mão pega a ferramenta: é uma navalha,

e ao compasso de Brahms fazes a barba

neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido

onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.


Foi bom que te calasses.

Meditavas na sombra das chaves,

das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,

juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,

anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta

de mil, os braços cruzados de mil.

E nada dizias. E um bolo, um engulho

formando-se. E as palavras subindo.

Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.

Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos.

Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,

crispação do ser humano, árvore irritada,

contra a miséria e a fúria dos ditadores,

ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode

caminham numa estrada de pó e de esperança.

Temas do Festival - Antônio Lázaro de Almeida Prado



Alegria de ser


Ser sempre tão simples

Como o sonho livre

Da infância.

Ser tão grato à vida

Como o dom, gratuito,

Do canto.

Ser um eco puro

Do valor arcano

Da vida.

Ser, tão simplesmente,

Como o vôo livre

Dos pássaros...


Antônio Lázaro de Almeida Prado






ÍNTEGRO




E nós

suspensos

Entre a cebola e o arco-íris;

E nós

prensados

Entre a batata e a rosa;

E nós

pendentes

Entre o amargor e o sonho

Entre o açafrão e a lua;

E nós

sofridos

Entre a chegada e a ida

Entre o arrebol e a noite

Miramos

Desde a longínqua ilha

O continente íntegro.

Antônio Lázaro de Almeida Prado


DEIXA FLUIR TEU CANTO...


Deixa fluir teu canto, livremente,

Deixa brotar a lágrima, espontânea,

O sonho é antevéspera da aurora,

Que sempre é puro dom, oferta pura.

Deixa afluir em ti a tua infância

Presente e atuante e promissora...

O tempo não cancela o olho d’água

De que procede o imenso rio da vida.

Deixa que a voz, liberta das amarras,

Entoe um canto simples, despojado,

Que imite o puro som do enamorado,

E seja, como o vento, sem medidas.

Deixa a vida pulsar, sem freio ou diques,

Qual puro balbuciar de uma criança.

Deixa que a vida te conduza sempre

Qual faz o vento à imponderável pluma...

Assis, 27 de junho de 2007

Antônio Lázaro de Almeida Prado


O DOM DA ALEGRIA


Assim como da aurora nasce o dia,

Assim como da flor brota perfume,

Assim, meu doce amor, toda alegria

Em ti se reinventa e se resume.

Vem de ti, como certo se presume,

O prazer de viver, que se irradia

Em fluxos de calor como de um lume

Que, aceso, dá vigor à melodia.

Desta se tece a chama de meu verso

Herdeiro do calor que se renova

Como a face feliz do universo.

Assim de ti provém a sempre nova

Nascente de alegria, em que, submerso,

Renasço, superior a toda prova.





OUSADIA


Ousa o sonho

Alça o vôo

Olha as estrelas

Sopra forte

Sobe o tom

Rompe as amarras.

Acrescenta

Ambição

Aos teus projetos.

Ousa mais,

Incapaz

De andar rasteiro.

Sobe mais

Que és capaz

De alto vôo...

Antônio Lázaro de Almeida Prado


POEMA: EVA


Do osso de meus ossos

Liquefeito

Da carne de meu ser

Compendiado

Vênus de carne e osso

(Ah! Botticelli…)

Meu poema procede

Do núcleo de meu sono

Retirado

Do cerne de meu sonho

Recolhido

Forma, precioso parto

Adâmico...

E fui pai e fui filho

Em gênese

E gerei a que gera,

Construída

Do sopro de meus sopro

Do osso de meus ossos

Da luz de meu viver:

Poesia...

http://ciclodaschamas.blogspot.com/

Temas do Festival - Frederico Barbosa


Day Dream


(...) Sonhos aprisionados / nessa torre / ilha / correm soltos / mar de marfim / por dentro.

Dedicar cada dia / entre tantos / inúteis momentos / a refinar / cada gesto palavra cor / ou sentimento.

Nadar no vazio alheio / movidos / por nosso sonho / claro e tácito / acordar comovido / da mente em movimento. / Nesse castelo, nossa praia / essa coragem nossa / sua presença acende. / Um mundo raro / um sonho em claro / doce recheio / sem resposta.

Sonhamos / vida (...)



Ao gosto


dizem:

todo sabor

é ilusão

mas a língua

(na língua)

desemboca oásis

devota-se

ao gosto:

devorar miragens




Sexto sentir


o que se sente

é somatória

dos sentidos

fora

longe

luz

perfume

voz

perto

pele a pele

paladar

sentimento:

forma que

reforma

dentro




9


impossível

sonhar

paisagens

nem
prevê-las

revê-las

vê-las

são velas

sem pavio

sem vento

sem navio

sem

sonhar syl

dentro




10


pouco importa

a viagem

a altura

a porta

o que vale é

o vento

qualquer lugar

todo tempo

tendo sido

sentido em

nós: paisagens







Frederico Barbosa - Pernambucano paulistano
http://www.youtube.com/watch?v=V3a9Bt6pytw&feature=youtu.be



http://www.youtube.com/watch?v=N23m5TlWW4k&feature=player_embedded#!
Veja anúncio Chanel com o poema Day Dream, de Frederico Barbosa:

(O poema foi utilizado sem autorização do autor)

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis