Programa do Festival

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Temas do Festival - Juó Bananère

Paródia de Juó Bananère ao poema “Canção do exílio” de Gonçalves Dias



Migna terra tê parmeras,


Che ganta inzima o sabiá.

As aves che stó aqui,

Tambê tuttos sabi gorgeá.

A abobora celestia tambê,

Che tê lá na mia terra,

Tê moltos millió di strella

Che non tê na Ingraterra.

Os rios lá sô maise grandi

Dus rios di tuttas naçó;

I os matto si perde di vista,

Nu meio da imensidó.

Na migna terra tê parmeras

Dove ganta a galigna dangola;

Na migna terra tê o Vap’relli,

Chi só anda di gartolla.




Uvi strella

Che scuitá strella, nê meia strella!

Vucê stá maluco e io ti diró intanto,

Chi p'ra iscuitalas moltas veiz livanto,

I vô dá una spiada na gianella.

I passo as notte acunversando c'o ela.

Inguante che as outra lá d'un canto

Stó mi spiano. I o sol come un briglianto

Nasce. Oglio p'ru ceu: — Cadê strella!?

Direis intó: Ó migno inlustre amigo!

O chi é chi as strellas ti dizia

Quando illas viero acunversá cuntigo?

E io ti diró: - Studi p'ra intendela,

Pois só chi giá studô Astrolomia,

É capaiz di intendê istras strella.



OS ÓGLIO DA MARIETTA
 (Sunetto Futuriste)


Os ôglio da Marietta mia afidanzata

Apparece dois garvó

Che briglia inda a scuridó

Piore dos ôglio di una gata.

Quando illa vai afazê una passegiata

Giunto co suo ermó,

Io vó atraiz della come un ladró

P'ra arrubá unas ôgliata.

Palavria di Juó Bananére

Chi os óglio da Marietta

Sô duos grandi çaçino.

Pur causa dellis io apasso o dia intére

Sentado inzima a sargetta

Co goraçó baténo come un çino!



Amore co Amore si Paga


Pra Migna Anamurada

Xinguê, Xigaste! Vigna afatigada i triste

I triste i afatigada io vigna;

Tu tigna a arma povolada di sogno,

I a arma povolada di sogno io tigna.

Ti amê, m'amasti! Bunitigno io éra

I tu tambê era bunitigna;

Tu tigna uma garigna di féra

E io di féra tigna una garigna.

Una veiz ti begiê a linda mó,

I a migna tambê vucê begió.

Vucê mi apisô nu pé, e io non pisé no da signora.

Moltos abbraccio mi deu vucê,

Moltos abbraccio io tambê ti dê.

U fóra vucê mi deu, e io tambê ti dê u fóra.


Juó Bananére

Sogramigna


Sogramigna infernale chi murré

Vintes quatro anno maise tardi che devia,

Fique aí a vita intêra e maise un dia,

Che io non tegno sodades di vucê.

Nu doce stante che vucê murrê

Tive tamagno attaque di legria

Che quasi, quasi, murri aquillo dia,

Co allegró chi apagné di ti perdê.

I oggi cuntento come un boi di carro,

I mais libero d'un passarigno,

Passo a vita pitáno o meu cigarro,

I maginando chi aóra inzatamente

Tu stá interrada até o piscocigno

Dentro d'un brutto taxo di agua quente.


Juó Bananère

Temas do Festival - Vinicius de Moraes




Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo

de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto

No entanto a tua presença é qualquer coisa

como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz

Não te quero ter porque

em meu ser está tudo terminado.

Quero só que surjas em mim

como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

Eu deixarei ... tu irás e encostarás

a tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos

e tu desabrocharás para a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei a minha face

na face da noite e ouvi a tua fala amorosa

Porque meus dedos enlaçaram os dedos

da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência

do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só

como os veleiros nos portos silenciosos

Mas eu te possuirei mais que ninguém

porque poderei partir

E todas as lamentações do mar,

do vento, do céu, das aves, das estrelas

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,

a tua voz serenizada.




Soneto de Maior Amor


Maior amor nem mais estranho existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

E quando a sente alegre, fica triste

E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste

O amado coração, e que se agrada

Mais da eterna aventura em que persiste

Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere

E quando fere vibra, mas prefere

Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante

Desassombrado, doido, delirante

Numa paixão de tudo e de si mesmo.




Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.


Vinícius de Moraes

Temas do Festival - Guimarães Rosa




Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.


O mundo é mágico.

As pessoas não morrem, ficam encantadas.

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

“O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão."

Quando nada acontece há um grande milagre acontecendo que não estamos vendo.


PÍLULAS DO GRANDE SERTÃO


Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.

No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço!

Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.

Coração de gente — o escuro, escuros.

O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.


"A estrada do amor, a gente já esta mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino.E a casa do amor-em cuja porta não se chama e não se espera-fica um pouco mais adiante." (Sagarana)



Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.

O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!

O diabo na rua, no meio do redemunho.


O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos... Pois, não existe! E se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?

Quem muito se evita, se convive.


Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.


O que lembro, tenho.


Quem mói no asp'ro não fantaseia.


Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente.


Vingar... é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.


Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?


Ser chefe — por fora um pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores.

Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.

Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.


Toda saudade é uma espécie de velhice.

Riu de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?

Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.


Tudo é e não é.


Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.

Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!

O sertão é do tamanho do mundo.

Sertão é dentro da gente.

O sertão é sem lugar.

O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.

O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.

O sertão é uma espera enorme.



“Quando escrevo, repito o que já vivi antes.


E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.

Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo

vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser

um crocodilo porque amo os grandes rios,

pois são profundos como a alma de um homem.

Na superfície são muito vivazes e claros,

mas nas profundezas são tranqüilos e escuros

como o sofrimento dos homens.”



“Em meus textos.

quero chocar o leitor,

não deixar que ele repouse

na bengala dos lugares-comuns,

das expressões acostumadas

e domesticadas.

Quero obrigá-lo a sentir

uma novidade nas palavras.”



JOÃO GUIMARÃES ROSA

Temas do Festival - MANUEL BANDEIRA




Belo Belo

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida.
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero



RIA, ROSA, RIA

A Guimarães Rosa

Acaba a Alegria

Dizendo-nos: - Ria!

Velha companheira,

Boa conselheira!

Por isso me rio

De mim para mim.

Rio, rio, rio!

E digo-lhes: - Ria,

Rosa, noite e dia!

No calor, no frio,

Ria, ria! Ria,

Como lhe aconselha

Essa doce velha

Cheirando a alecrim,

A alegre Alegria!




Desencanto


Eu faço versos como quem chora

De desalento... de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...

Tristeza esparsa... remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.




O último poema


Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.




Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha falsa e demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

- Lá sou amigo do rei -

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada




ARTE DE AMAR


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Festival da Palavra - parceria UNESP Assis e Poiesis