Programa do Festival

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Temas do Festival - Vinicius de Moraes




Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo

de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto

No entanto a tua presença é qualquer coisa

como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz

Não te quero ter porque

em meu ser está tudo terminado.

Quero só que surjas em mim

como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

Eu deixarei ... tu irás e encostarás

a tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos

e tu desabrocharás para a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei a minha face

na face da noite e ouvi a tua fala amorosa

Porque meus dedos enlaçaram os dedos

da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência

do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só

como os veleiros nos portos silenciosos

Mas eu te possuirei mais que ninguém

porque poderei partir

E todas as lamentações do mar,

do vento, do céu, das aves, das estrelas

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,

a tua voz serenizada.




Soneto de Maior Amor


Maior amor nem mais estranho existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

E quando a sente alegre, fica triste

E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste

O amado coração, e que se agrada

Mais da eterna aventura em que persiste

Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere

E quando fere vibra, mas prefere

Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante

Desassombrado, doido, delirante

Numa paixão de tudo e de si mesmo.




Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.


Vinícius de Moraes

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