Reflexão n°.1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Somos todos poetas
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.
O menino sem passado
Monstros complicados
não povoaram meus sonos de criança
porque o saci-pererê não fazia mal a ninguém
limitando-se moleque a dançar maxixes desenfreados
no mundo das garotas de madeira
que meu tio habilidoso fazia para mim.
A mãe-d’água só se preocupava
em tomar banhos asseadíssima
na piscina do sítio que não tinha chuveiro.
De noite eu ia no fundo do quintal
pra ver se aparecia um gigante com trezentos anos
que ia me levar dentro dum surrão,
mas não acreditava nada.
Fiquei sem tradição sem costumes nem lendas
estou diante do mundo
deitado na rede mole
que todos os países embalançam.
Amantes
Os dois amantes sentados num banco
Já se cansaram, nem se olham mais,
Esgotando os beijos e os abraços.
Pensaram um dia que o carinho fosse eterno:
Estão ligados somente pela falta de assunto
E pelo murmúrio das ondas
A luz da tarde é febril
E triste o final do amor.
(Amantes, Murilo Mendes)
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Palavras de Murilo Mendes
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Palavras de Nuno Judice
Ausência
O fundamento das palavras perde-se
na lava dos lábios, quando o fogo do amor
os incendeia. Rios que se enrolam
nos ombros da madrugada, ou simples
regatos que correm por entre os dedos -
vêm ao encontro dos amantes,
para que os seus olhos cansados da noite
os sigam na planície da pele,
em busca de um estuário de sensações.
Porém, as flores presas no cabelo,
sugerindo um movimento de hera, dão-te
uma hesitação de outono, como se o tempo
te cobrisse com a sua sombra. Só o que pensas
te empresta uma realidade - mas não sei o que
pensas. E se o diadema do dia te ilumina
o rosto, e os teus olhos encontram os meus,
espero que me respondas: A que armário
de esquecimento foste buscar o teu silêncio?
Nuno Judice
Enigma
Procurei um graal que pudesse pousar nos teus ombros,
para o encher com o filtro que embriaga os deuses
famintos de amor. Mas tu soltaste os cabelos
e escondeste-me o teu corpo, para que eu entrasse
na sua floresta em busca de uma clareira. Perdi-me
por entre as folhas e flores de uma vegetação de
murmúrios; e quando ouvi um canto de pássaros
anunciarem a madrugada, já não precisei de
nenhum graal para descobrir o teu segredo
Nuno Júdice
O amor
Ao dizer que te amo é
como se as portas da vida se
abrissem, e uma luz nascida de dentro
do desejo de ti me trouxesse
até mim. Mas ao dizer
que te amo, são as portas
da noite que se fecham, e é
contigo que espero a última
madrugada, onde entre
mim e ti
nenhumas portas existam.
Nuno Júdice
Lamento de Orfeu
Quero chegar à ideia, tocar o seu corpo
abstracto, e sentir na sua pele as palavras que compõem
a frase musical do espírito. Para isso, o meu olhar
procura o campo das sensações, percorre-o com
a lâmina acerada da sua luz, e recorta de entre
o magma dos sentimentos a figura exacta
do amor. Tenho de encontrar a pura expressão
do som, o mais alto acorde de entre os que envolvem
a sua voz, e pedir aos deuses que me emprestem
um vocabulário de nuvens, para que a sua névoa
desça ao fundo dos meus olhos, e obscureça
a linha da razão. A cegueira da alma restituir-me-á
a visão que só os dedos pressentem, quando
te encontram; e voltarei a ver, por entre
as sombras, o rosto amado.
Nuno Júdice
O fundamento das palavras perde-se
na lava dos lábios, quando o fogo do amor
os incendeia. Rios que se enrolam
nos ombros da madrugada, ou simples
regatos que correm por entre os dedos -
vêm ao encontro dos amantes,
para que os seus olhos cansados da noite
os sigam na planície da pele,
em busca de um estuário de sensações.
Porém, as flores presas no cabelo,
sugerindo um movimento de hera, dão-te
uma hesitação de outono, como se o tempo
te cobrisse com a sua sombra. Só o que pensas
te empresta uma realidade - mas não sei o que
pensas. E se o diadema do dia te ilumina
o rosto, e os teus olhos encontram os meus,
espero que me respondas: A que armário
de esquecimento foste buscar o teu silêncio?
Nuno Judice
Enigma
Procurei um graal que pudesse pousar nos teus ombros,
para o encher com o filtro que embriaga os deuses
famintos de amor. Mas tu soltaste os cabelos
e escondeste-me o teu corpo, para que eu entrasse
na sua floresta em busca de uma clareira. Perdi-me
por entre as folhas e flores de uma vegetação de
murmúrios; e quando ouvi um canto de pássaros
anunciarem a madrugada, já não precisei de
nenhum graal para descobrir o teu segredo
Nuno Júdice
O amor
Ao dizer que te amo é
como se as portas da vida se
abrissem, e uma luz nascida de dentro
do desejo de ti me trouxesse
até mim. Mas ao dizer
que te amo, são as portas
da noite que se fecham, e é
contigo que espero a última
madrugada, onde entre
mim e ti
nenhumas portas existam.
Nuno Júdice
Lamento de Orfeu
Quero chegar à ideia, tocar o seu corpo
abstracto, e sentir na sua pele as palavras que compõem
a frase musical do espírito. Para isso, o meu olhar
procura o campo das sensações, percorre-o com
a lâmina acerada da sua luz, e recorta de entre
o magma dos sentimentos a figura exacta
do amor. Tenho de encontrar a pura expressão
do som, o mais alto acorde de entre os que envolvem
a sua voz, e pedir aos deuses que me emprestem
um vocabulário de nuvens, para que a sua névoa
desça ao fundo dos meus olhos, e obscureça
a linha da razão. A cegueira da alma restituir-me-á
a visão que só os dedos pressentem, quando
te encontram; e voltarei a ver, por entre
as sombras, o rosto amado.
Nuno Júdice
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Palavras de Antonio Ramos Rosa
Um mundo
É um sonho ou talvez só uma pausa
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 67
Escrevo-te com o fogo e a água
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.
O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.
António Ramos Rosa Volante Verde - 1986 in Antologia Poética
Quem escreve
Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore. Quem escreve
quer ser terra sobre terra, solidão
adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 66
O horizonte das palavras
Sem direcção, sem caminho
escrevo esta página que não tem alma dentro.
Se conseguir chegar à substância de um muro
acenderei a lâmpada de pedra na montanha.
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios
ou enuncio as simples reiterações da terra,
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.
Tentarei construir a consistência num adágio
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.
E na substância entra a mão, o balbucio branco
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,
um organismo verde aberto sobre o mar,
as teclas do verão, as indústrias da água.
Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 81
É um sonho ou talvez só uma pausa
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 67
Escrevo-te com o fogo e a água
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.
O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.
António Ramos Rosa Volante Verde - 1986 in Antologia Poética
Quem escreve
Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore. Quem escreve
quer ser terra sobre terra, solidão
adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 66
O horizonte das palavras
Sem direcção, sem caminho
escrevo esta página que não tem alma dentro.
Se conseguir chegar à substância de um muro
acenderei a lâmpada de pedra na montanha.
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios
ou enuncio as simples reiterações da terra,
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.
Tentarei construir a consistência num adágio
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.
E na substância entra a mão, o balbucio branco
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,
um organismo verde aberto sobre o mar,
as teclas do verão, as indústrias da água.
Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
António Ramos Rosa
ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 81
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Andre Melo
André Melo
Compositor interprete. Comecei minha carreira ainda menino
Trabalhei alguns anos em São Paulo em teatros e pelo interior do estado.
Além de algumas participações em discos vinis gravei o CD Revoada com composições próprias.
Continuo com uma vida musicalmente ativa.
Atualmente preparo trabalho (Última Estampa) em parceria com Alerson Donioli "Duo Guarantã".
André Gonçalves Melo
uirapuruandre@yahoo.com.br
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