Programa do Festival

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Palavras de Murilo Mendes

Reflexão n°.1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho

Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio

Nem ama duas vezes a mesma mulher.

Deus de onde tudo deriva

E a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo

Nascer é muito comprido.





Somos todos poetas



Assisto em mim a um desdobrar de planos.

as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,

A luz desce das origens através dos tempos

E caminha desde já

Na frente dos meus sucessores.

Companheiro,

Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.

Sou todos e sou um,

Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,

Pelos gritos isolados que não entraram no coro.

Sou responsável pelas auroras que não se levantam

E pela angústia que cresce dia a dia.



In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.



O menino sem passado



Monstros complicados

não povoaram meus sonos de criança

porque o saci-pererê não fazia mal a ninguém

limitando-se moleque a dançar maxixes desenfreados

no mundo das garotas de madeira

que meu tio habilidoso fazia para mim.

A mãe-d’água só se preocupava

em tomar banhos asseadíssima

na piscina do sítio que não tinha chuveiro.

De noite eu ia no fundo do quintal

pra ver se aparecia um gigante com trezentos anos

que ia me levar dentro dum surrão,

mas não acreditava nada.

Fiquei sem tradição sem costumes nem lendas

estou diante do mundo

deitado na rede mole

que todos os países embalançam.



Amantes
 


Os dois amantes sentados num banco

Já se cansaram, nem se olham mais,

Esgotando os beijos e os abraços.

Pensaram um dia que o carinho fosse eterno:

Estão ligados somente pela falta de assunto

E pelo murmúrio das ondas

A luz da tarde é febril

E triste o final do amor.



(Amantes, Murilo Mendes)

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