Programa do Festival

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Palavras de Nuno Judice

Ausência

O fundamento das palavras perde-se


na lava dos lábios, quando o fogo do amor

os incendeia. Rios que se enrolam

nos ombros da madrugada, ou simples

regatos que correm por entre os dedos -

vêm ao encontro dos amantes,

para que os seus olhos cansados da noite

os sigam na planície da pele,

em busca de um estuário de sensações.


Porém, as flores presas no cabelo,

sugerindo um movimento de hera, dão-te

uma hesitação de outono, como se o tempo

te cobrisse com a sua sombra. Só o que pensas

te empresta uma realidade - mas não sei o que

pensas. E se o diadema do dia te ilumina

o rosto, e os teus olhos encontram os meus,

espero que me respondas: A que armário

de esquecimento foste buscar o teu silêncio?
 
Nuno Judice
 
 
 
Enigma
 
Procurei um graal que pudesse pousar nos teus ombros,


para o encher com o filtro que embriaga os deuses

famintos de amor. Mas tu soltaste os cabelos

e escondeste-me o teu corpo, para que eu entrasse

na sua floresta em busca de uma clareira. Perdi-me

por entre as folhas e flores de uma vegetação de

murmúrios; e quando ouvi um canto de pássaros

anunciarem a madrugada, já não precisei de

nenhum graal para descobrir o teu segredo


Nuno Júdice



O amor

Ao dizer que te amo é


como se as portas da vida se

abrissem, e uma luz nascida de dentro

do desejo de ti me trouxesse

até mim. Mas ao dizer

que te amo, são as portas

da noite que se fecham, e é

contigo que espero a última

madrugada, onde entre

mim e ti

nenhumas portas existam.

Nuno Júdice



Lamento de Orfeu


Quero chegar à ideia, tocar o seu corpo


abstracto, e sentir na sua pele as palavras que compõem

a frase musical do espírito. Para isso, o meu olhar

procura o campo das sensações, percorre-o com

a lâmina acerada da sua luz, e recorta de entre

o magma dos sentimentos a figura exacta

do amor. Tenho de encontrar a pura expressão

do som, o mais alto acorde de entre os que envolvem

a sua voz, e pedir aos deuses que me emprestem

um vocabulário de nuvens, para que a sua névoa

desça ao fundo dos meus olhos, e obscureça

a linha da razão. A cegueira da alma restituir-me-á

a visão que só os dedos pressentem, quando

te encontram; e voltarei a ver, por entre

as sombras, o rosto amado.



Nuno Júdice
 

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