Programa do Festival

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Palavras de amor

O Verbo No Infinito

Ser criado, gerar-se, transformar

O amor em carne e a carne em amor; nascer

Respirar, e chorar, e adormecer

E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar

Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir

E começar a amar e então sorrir

E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver

E perder, e sofrer, e ter horror

De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor

E viver esse amor até morrer

E ir conjugar o verbo no infinito...


Vinícius de Moraes






Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeiçao

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa.


Sophia de Mello Breyner Andresen






Dois corpos

Dois corpos face a face

São ás vezes duas ondas

E a noite é um oceano.

Dois corpos face a face

São ás vezes duas pedras

E a noite um deserto.

Dois corpos face a face

São ás vezes qual raízes

Dentro da noite enlaçadas.

Dois corpos face a face

São ás vezes qual navalhas

E a noite um relâmpago.

Dois corpos face a face

São dois astros caindo

Num céu que está vazio.

Octávio Paz



Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.


Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andrese



Se tanto me dói que as coisas passem…

Se tanto me dói que as coisas passem

É porque cada instante em mim foi vivo

Na luta por um bem definitivo

Em que as coisas de amor se eternizassem.


Sophia de Mello Breyner Andresen



Canção da falsa adormecida


Se te pareço ausente, não creias:

Hora a hora o meu amor agarra-se aos teus braços,

Hora a hora o meu desejo revolve estes escombros

E escorrem dos meus olhos mais promessas.

Não acredites neste breve sono;

Não dês valor maior ao meu silêncio;

E se leres recados numa folha branca,

Não creias também: é preciso encostar

Teus lábios em meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo:

Palavras

São o meu jeito mais secreto de calar.


Lya Luft

 
 
 
Amor e Seu Tempo


Amor é privilégio de maduros


Estendidos na mais estreita cama,

Que se torna a mais larga e mais relvosa,

Roçando, em cada poro, o céu do corpo.


É isto, amor: o ganho não previsto,

O prêmio subterrâneo e coruscante,

Leitura de relâmpago cifrado,

Que, decifrado, nada mais existe


Valendo a pena e o preço do terrestre,

Salvo o minuto de ouro no relógio

Minúsculo, vibrando no crepúsculo.


Amor é o que se aprende no limite,

Depois de se arquivar toda a ciência

Herdada, ouvida. amor começa tarde.


Carlos Drummond de Andrade

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