Vôo
Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.
Cecília Meireles
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Cecília Meireles
Numa noite de lua escreverei palavras
Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.
O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.
Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível
Cecília Meireles
Canção da Alta Noite
Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.
Andar, andar que um poeta
não necessita de casa.
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.
Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.
Porque o poeta, indiferente,
andar por andar - somente.
Não necessita de nada.
Cecília Meireles
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos nocturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
ate' não se sabe quando...
- e um dia me acabarei.
Cecília Meireles
Uma pequena aldeia
No canto do galo há uma pequena aldeia
de mulheres risonhas e pobres
que trabalham em casas de pedra
com belos braços brancos
e olhos cor de lágrima
São umas corajosas mulheres
que tecem em teares antigos,
são Penélopes obscuras
em suas casas de pedra
com fogões de pedra
nestes tempos de pedra.
Elas, porém, cantam com frescura,
a leveza, a graça, a alegria generosa
da água das cascatas,
que corre de dentro do mundo
pelo mundo
para fora do mundo.
No canto do galo há, de repente,
essa pequena aldeia,
com essas belas mulheres,
essas boas mulheres escondidas,
essas criaturas lendárias
que trabalham e cantam
e morrem.
O amor é uma roseira à sua porta,
o sonho é um barco no mar
a vida é uma brasa na lareira
um pano que nasce, fio a fio.
A morte é um dia santo
para sempre no céu.
Cecília Meireles
Nenhum comentário:
Postar um comentário