Programa do Festival

domingo, 29 de maio de 2011

Poemas de amor


As Sem razões do Amor



Eu te amo porque te amo

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga, nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,

e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade



Bilhete


Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana (1906 - 1994)



Soneto do Amor Total


Amo-te tanto meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.


Amo-te enfim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes (1913-1980)



Corridinho



O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.

Mas água o amor não é.


Adélia Prado





CONSAGRAÇÃO

Eis o meu corpo: —

Centelha...

Eis o meu sopro: —

Fagulha...

Este, meu verbo: —

Bebei-o...

Frumento

O meu amor

Se fez

Pra todos: —

Comei-o...

Guardai-me

Fidelíssima

Memória...

E ide

Em paz

Para exercer

O amor...


Antônio Lázaro de Almeida Prado




"Eros e Psique"

Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada


Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.


A Princesa adormecida,

Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado,

Ele dela é ignorado,

Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino -

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora,


E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.




O SEMPRE AMOR


Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é coisa que mais quero.

Por causa dele falo palavras como lanças.

Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é coisa que mais quero.

Por causa dele podem entalhar me,

sou de pedra sabão.

Alegre ou triste,

amor é a coisa que mais quero.

Adelia Prado



Habitas meu coração

Dora Ferreira da Silva

Habitas meu coração: barbas de rei assírio

olhar de extensões alheias a tempo e medidas.

Tua voz tem asas de falcão e pousa

nas torres mais altas do meu ser onde jamais

me aventurei. É minha a tua solidão.

Sirvo-me em silêncio e às vezes como uma

criança me apertas em teu peito: acaricio

então tua face estranho rei.

Outras vezes ouço passos ecoando no

enlace das colunas em seteiras escadas. Se

grito teu nome - és mil ressonâncias e seu eco em mim.



AMOR FEINHO

Eu quero amor feinho.

Amor feinho não olha um pro outro.

Uma vez encontrado, é igual fé,

não teologa mais.

Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo

e filhos tem os quantos haja.

Tudo que não fala, faz.

Planta beijo de três cores ao redor da casa

e saudade roxa e branca,

da comum e da dobrada.

Amor feinho é bom porque não fica velho.

Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:

eu sou homem você é mulher.

Amor feinho não tem ilusão,

o que ele tem é esperança:

eu quero amor feinho.

Adélia Prado



Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como "este foi difícil"

"prateou no ar dando rabanadas"

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Adélia Prado



Pranto Para Comover Jonathan

Os diamantes são indestrutíveis?

Mais é meu amor.

O mar é imenso?

Meu amor é maior,

mais belo sem ornamentos

do que um campo de flores.

Mais triste do que a morte,

mais desesperançado

do que a onda batendo no rochedo,

mais tenaz que o rochedo.

Ama e nem sabe mais o que ama.

Adélia Prado


Neurolingüística
Quando ele me disse

ô linda,

pareces uma rainha,

fui ao cúmice do ápice

mas segurei meu desmaio.

Aos sessenta anos de idade,

vinte de casta viuvez,

quero estar bem acordada,

caso ele fale outra vez.

in Oráculos de Maio, Editora Siciliano


Adélia Prado



Amor e seu tempo

Carlos Drummond de Andrade

Amor é privilégio de maduros

estendidos na mais estreita cama,

que se torna a mais larga e mais relvosa,

roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,

o prêmio subterrâneo e coruscante,

leitura de relâmpago cifrado,

que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço terrestre,

salvo o minuto de ouro no relógio

minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,

depois de se arquivar toda a ciência

herdada, ouvida. Amor começa tarde.



Timidez

Cecilia Meireles
Basta-me um pequeno gesto,

feito de longe e de leve,

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída

das montanhas dos instantes

desmancha todos os mares

e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,

entre os ventos taciturnos,

apago meus pensamentos,

ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,

os mundos vão navegando

nos ares certos do tempo,

até não se sabe quando...

e um dia me acabarei.



Amor

Quando duas pessoas fazem amor

Não estão apenas fazendo amor

Estão dando corda ao relógio do mundo

Mário Quintana



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