Programa do Festival

domingo, 29 de maio de 2011

Poemas de amor



Inscrição na Areia
O meu amor não tem

importância nenhuma.

Não tem o peso nem

de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?

Para quem se perfuma?
O meu amor não tem

importância nenhuma.

Cecília Meireles



O sempre amor


Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é a coisa que mais quero.

Por causa dele falo palavras como lanças.

Amor é a coisa mais alegre

amor é a coisa mais triste

amor é a coisa que mais quero.

Por causa dele podem entalhar-me,

sou de pedra-sabão.

Alegre ou triste,

amor é a coisa que mais quero.

Adélia Prado



De longe te hei de amar

De longe te hei de amar

- da tranqüila distância

- em que o amor é saudade

- e o desejo, constância.
Do divino lugar

onde o bem da existência

é ser eternidade

e parecer ausência.

Quem precisa explicar

o momento e a fragrância

da Rosa, que persuade

sem nemhuma arrogância?
E, no fundo do mar,

a Estrela, sem violência,

compre a sua verdade,

alheia à transparência.

Cecília Meireles



ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

"Coitado, até essa hora no serviço pesado."

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.


Adélia Prado


QUASE NADA

O amor

é uma ave a tremer

nas mãos duma criança.

Serve-se de palavras

por ignorar

que as manhãs mais limpas

não têm voz.

Eugénio de Andrade



O AMOR É UMA COMPANHIA


O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,

Porque já não posso andar só.

Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.

E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.


Todo eu sou qualquer força que me abandona.

Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa





Medo de amar

O céu está parado, não conta nenhum segredo

A estrada está parada, não leva a nenhum lugar

A areia do tempo escorre de entre meus dedos

Ai que medo de amar!


O sol põe em relevo todas as coisas que não pensam

Entre elas e eu, que imenso abismo secular...

As pessoas passam, não ouvem os gritos do meu silêncio

Ai que medo de amar!

Uma mulher me olha, em seu olhar há tanto enlevo

Tanta promessa de amor, tanto carinho para dar

Eu me ponho a soluçar por dentro, meu rosto está seco

Ai que medo de amar!

Dão-me uma rosa, aspiro fundo em seu recesso

E parto a cantar canções, sou um patético jogral

Mas viver me dói tanto! e eu hesito, estremeço...

Ai que medo de amar!


E assim me encontro: entro em crepúsculo, entardeço

Sou como a última sombra se estendendo sobre o mar

Ah, amor, meu tormento!... como por ti padeço...

Ai que medo de amar!


Vinicius de Moraes (1913-1980)



URGENTEMENTE

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.
É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.


Eugénio de Andrade


Corridinho

O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.


Adélia Prado


Mas há a vida

Mas há a vida

que é para ser

intensamente vivida,

há o amor.

Que tem que ser vivido

até a última gota.

Sem nenhum medo.

Não mata.


Clarice Lispector




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